domingo, 29 de novembro de 2009

palito

olha, vou dizer algo muito sério. restaurante, pra mim, pra ser bom mesmo, só tendo palito de dente. se não, não presta.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

ocorrência

hoje telefonei da estrada e a leda me disse que o david foi assistir aula de literatura junto com ela na usp. foram juntos ver a aula do maravilhoso professor alcides villaça sobre o conto singular ocorrência, do machado de assis. ela perguntou se ele queria conhecer como era uma aula na usp, ele quis. pegaram o ônibus juntos, foram, assistiram e ele adorou. eu disse: leda, mas como você conseguiu? ela disse: mãe, a gente tá brother. eu chorei. como uma ausência da mãe faz bem.




quinta-feira, 26 de novembro de 2009

três

ontem almocei em fartura, onde só existe um restaurante. comi carne de panela com mandioquinha e cenoura cozida, salada e tomei um refrigerante. estava tão bom, que repeti. nem tinha prestado atenção no preço. na hora de pagar, me aproximei do caixa e perguntei quanto era. três. o moço falou três. paguei três. três.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

interior

estou dando aulas de literatura nas bibliotecas do interior de são paulo. hoje, entre os alunos, havia uma menina autista. não tinha percebido nada, foram as outras que me avisaram. nós já tínhamos conversado e ela me disse que tinha prestado vestibular para veterinária, não tinha passado e tinha ficado muito triste. precisava fazer quarenta e cinco pontos e tinha feito vinte e nove. depois que me avisaram de seu autismo, fiquei reparando num sorriso fixo em seu rosto, na voz que parecia artificial, como se ela fizesse força para falar. pedi que todos escrevessem uma crônica. quando chegou a vez dela, ela disse: vou falar sobre fronteiras. e começou: quero atravessar fronteiras, lutar com dragões, ultrapassr os caminhos, ir para onde ninguém foi. fiquei olhando. em que fronteira eu estou, estava, para dizer alguma coisa a ela? espantosamente, foi ela que me colocou do lado de lá de seu país de sorriso fixo e foi a minha fala que não soava mais de verdade.

domingo, 22 de novembro de 2009

problema

algumas coisas um pouco difíceis estão acontecendo e fico pensando em como lidar com elas. acho que um ponto bom para enfrentar certas complicações é um ponto médio entre a aceitação do problema - ele existe -, e uma certa resistência - é preciso agir. ficar no nó entre essas duas forças, a que permanece e a que briga, sem acatar nem a inércia nem o combate remido. não digo que saiba fazer isso, mas estou tentando e só a tentativa já me acalma. carregar o peso e a leveza no corpo e na alma.

sábado, 21 de novembro de 2009

ausência

a marina bedran está fazendo seu mestrado sobre a correspondência entre henry james e robert louis stevenson, o primeiro na inglaterra e o segundo no taiti. uma parte dessa correspondência está publicada na última edição da revista serrote. em uma das cartas, james diz que suas saudades do amigo são tamanhas , que ele já não consegue mais acreditar nem em sua existência física e pede, implora a ele que volte. no finalzinho da carta, diz assim: estou com uma asa dolorida, uma geografia inadequada e uma esperança imorredoura. a esperança imorredoura a gente tolera. mas a asa dolorida e a geografia inadequada são a melhor descrição de ausência que já vi.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

ônibus

quando minha avó chegou ao brasil, em mil novecentos e quarenta e nove, tinha muito pouco estudo e vinha de uma situação de pobreza e sofrimento extremos. foi morar na rua josé paulino, num apartamento emprestado, onde havia um corredor estreito e comprido, em que ela estendia peças de tecido, cortava e costurava roupas para crianças, junto com minha mãe. depois ela punha as roupas numa maleta e saía para vender: na rua, em feiras, em lojas. uma vez, quando ela ainda não falava nada de português (como quase não falou pelo resto da vida), ela perguntou que ônibus deveria tomar para ir até a avenida são joão. ela falava sao ioao, porque o j, em iugoslavo, tem som de i. depois de muita gesticulação, disseram para ela tomar o ônibus número trinta e dois. ela ficou parada no ponto, esperou passarem trinta e dois ônibus e entrou. puxa, como os enganos são bonitos.

sábado, 14 de novembro de 2009

ente

se categorias como o ser e o ente realmente existirem, elas não estão coincidindo nesses últimos dias.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

irmã

eu estava deitada, meio doente, na cama da minha irmã mais velha. acho que eu tinha uns quatro ou cinco anos. ela estava pronta para sair. passou pelo quarto e disse: tchau, no. eu olhei para ela, triste e pedi: té, fica, vai. ela disse: está bem. e ficou. sou profundamente agradecida a ela por isso até hoje. às vezes é tão bom ficar.

domingo, 8 de novembro de 2009

acidente

e o que parecia impossível aconteceu. ontem achei que a vida era um acidente burro: minha gata tinha desaparecido. fiquei impotente como um vaso vazio. ela está muito doente e então ficamos sabendo que gatos muito doentes desaparecem, não vão muito longe e ficam escondidos até morrer. fui em todas as casas vizinhas, vasculhei quintais, acordei de madrugada pra chamá-la pela rua, chorei e me consolei dizendo que seria melhor para ela e para mim, apesar de saber que não era verdade. e hoje, no meio de um macarrão triste, ela reapareceu, como se nunca tivesse sumido. fiquei feliz como se ela nem estivesse doente; como se tivesse acabado de nascer. e a vida, de acidente burro, virou um acidente bom. um erro certo. além disso, fui ao aniversário surpresa de uma das pessoas mais legais que existem, o mauricio pereira. e pronto. que bom que o mundo é circular.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

vida

esses dias estive com uma pessoa muito velha, mas com ótima saúde e aparência. o problema é que é uma pessoa extremamente vaidosa, com toques racistas, traços de ódio pela família que aparecem quase involuntariamente e um vasto leque de preconceitos e idiossincrasias bobas. enquanto conversava com ele, tive uma visão horrível, que me assusta até agora: pensei que ele era idêntico a uma barata que sofreu um pisão e que agoniza histericamente pela vida, girando em falso e gratuitamente. a única diferença entre ele e a barata era que essa pessoa era dotada de voz e algum tipo de pensamento. penso que, para que não nos tornemos baratas desesperadas, é preciso aprender sempre e cada vez mais a desapegar-se de si e da vida. acredito que seja a única coisa que realmente nos separa das baratas. só desapegando-se da vida, poderemos viver humanamente, sem lutarmos doidamente contra a morte.

domingo, 1 de novembro de 2009

lágrima

o oftalmologista disse que eu tenho síndrome da lágrima seca. pronto, ele sintetizou com um diagnóstico todos os meus problemas existenciais atuais. o seguro saúde cobriu a consulta e saiu infinitamente mais barato do que alguns anos de psicanálise para, provavelmente, chegar à mesma conclusão: choro e chego a ter síndrome (que é uma corrente simultânea de coisas). ou seja, todas coisas líquidas; mas algum equipamento interno de secagem enxuga tudo. para resolver o problema, mesmo que paliativamente, um colírio lubrificante, que produz lágrimas artificiais. bom, por enquanto, é tudo o que tenho.