quinta-feira, 31 de maio de 2012

maturidade

tive medo de olhar. achei que se demorasse um pouco, quem sabe a coisa ganhasse o aspecto que eu queria. enquanto não olhasse, ela poderia ser boa ou ruim. depois, ela seria definitivamente o que era. achei que, dependendo do meu humor, ela se converteria necessariamente em positiva, se é que já não o fosse. entrementes, pensei que isso de nada adiantaria. ela já era o que seria, mesmo antes de eu olhá-la. então decidi olhar, com decisão e maturidade. logo que a vi de relance, entretanto, já entendi que era ruim. olhei até o final e era pior ainda. estremeci um pouco. virei o rosto e quis esquecer. não pude e sei que vou lembrar por algum tempo, com um peso ainda maior do que aquele que a coisa tinha. agora, vou convertê-la em mais do que ela é. ela, que é só o que é, para mim sempre será menos ou mais.

terça-feira, 29 de maio de 2012

ópera

se eu já conheci uma vendedora de cosméticos búlgara em dallas e um cantor de ópera romeno, gay e gago, em varsóvia, fico pensando: será que existe um pipoqueiro jamaicano na turquia? uma advogada criminalista peruana em uganda? um percussionista manco e coreano na austrália?

domingo, 27 de maio de 2012

coisas

quando nada está acontecendo, a célia, a elizabete, o elias, a maria josé, a rosevane, a geni, a sebastiana, a alzenir, a santa, a maria neide, a juciara,a zenilda, o joel, a maria das neves, a demétria, a salete, a quitéria, a elenilza, o alessandro e a luciana, alunos e professora do supletivo do colégio santa cruz, que estão lendo meu livro, me deixaram muito feliz e agradecida. obrigada por me ensinarem tantas coisas.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

presente

não existe tempo verbal mais bonito do que o raro particípio presente, que conjuga o passado, representado pelo particípio, ao presente em movimento. palavras como poente, nascente, lente, movente, paciente, doente designam o processo mesmo, enquanto acontece, mas já antevêem o final; aquilo logo será passado. por essa mesma razão, porque o processo em breve acabará, elas são também confundidas com adjetivos. como se indicassem estados e não processos. como se o processo se escondesse lá dentro do verbo imperceptível.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

raiz

a assistente do meu cabeleireiro disse: o que é bom para a raiz não é bom para os fios; o que é bom para os fios não é bom para a raiz. não sei se é verdade, mas deve ser e, de qualquer maneira, se não for válido para os cabelos, para a vida serve muito bem.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

metáfora

método invertido de criação de metáforas: escolha um substantivo no dicionário. por exemplo: terno. em seguida, escolha um adjetivo, sempre aleatoriamente. por exemplo:tácito. você obteve então terno tácito. em seguida, descubra a que esta metáfora se aplica. por exemplo: a casamento. aí está. uma ótima metáfora para um velho assunto.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

purgatório

no verso trinta e sete do canto três do purgatório, na divina comédia, virgílio ralha com dante, que se inquieta por só enxergar, no caminho que trilham, uma única sombra e não duas: ó gente humana, que te baste o quia! quia significa aquilo que é. com isso, virgílio recomenda a dante que não queira conhecer as causas das coisas, já que isso é matéria de deus, mas que se contente em conhecer as coisas como são. talvez nossa necessidade, tão demasiadamente humana, de querer conhecer as causas das coisas e nossa dificuldade em aceitar o quia seja, ela também, mera ilusão e mesmo a causa que pensamos descobrir não passe de mera aparência. ó gente humana, se nos bastasse o quia!

segunda-feira, 14 de maio de 2012

liquidificador

fui socialista na adolescência, mantive atividades sempre coerentes com uma ideologia do máximo de justiça social possível, nunca fui entusiasta do consumismo e não sou adepta de quase nenhum luxo ou da cultura dos supérfluos. dito isso, preciso confessar, sem medo, culpa ou falsos pruridos: eu amo meu novo liquidificador.

sábado, 12 de maio de 2012

meta-post 2

o último post que escrevi, intitulado nada, foi, de todos aqueles deste blog, o menos visitado de todos os de sua história. apenas cinco visitações. me pergunto por que. inventei dois personagens lindos: o absurdo e o tartamudo. o tartamudo fala baixo e o absurdo não ouve. será que tartamudeei demais? serão que todos estão absurdos a esse meu nada?

quinta-feira, 10 de maio de 2012

nada

engasgando e se esforçando por pronunciar minimamente algumas palavras que fossem, tartamudo tentou fazer-se escutar. mas absurdo não ouviu nada.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

pulso

não se deve aceitar um falso cognato impunemente, como se fosse uma mera coincidência. sempre me intrigou por que push, em inglês, é empurrar e em português é trazer para junto de si, ou seja, o contrário, embora a palavra seja a mesma. ambas vem de pulsare, do latim, que é só movimento. acontece que os anglo-saxões entenderam movimento como mandar para a frente e os latinos como trazer para perto. como se vê, não há falso cognato, mas sim duas interpretações diferentes do mundo.

sábado, 5 de maio de 2012

si

mais do que a vida, dinâmica, a morte é que é a coisa em si, fixa. ir atrás da essência das coisas seria como ir atrás da morte que elas contêm. melhor não ir atrás, mas permanecer na superfície instável das coisas mutantes. porque mesmo a índole, a alma,o espírito, se existirem, também se transformam quando em contato com o ar.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

carioca

o rio de janeiro concorda com a vida: as pedras, os morros, o mar, o calçamento, o ritmo da marcha do carioca acompanham o andamento do corpo e da natureza. parece que lá as pessoas não andam, mas transladam-se. só a palavra carioca já se distende no tempo, tão diferente de paulista, que é nominalmente associado a são paulo. carioca. queria ser carioca por um dia, rodar em torno do sol e depois voltar para o rio tietê, onde os deslocamentos são maquínicos, artificiais.