sábado, 29 de dezembro de 2012

aparecimento

o a de aparecer é a potência transformada em ato. como com a manhã o amanhecer, com a noite o anoitecer, também é assim com o parecer que, acrescido do a, vem à luz. apareceremos!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

família

abrão tinha três mulheres, traiu a principal com uma escrava e, assim que a escrava engravidou, expulsou-a de casa. isaac tinha dois filhos, sendo que um deles, às vésperas da morte do pai, o enganou, fingindo ser o outro irmão que, aliás, era o preferido. já jacó, por sua vez, gostava mais de josé, o caçula, que foi vendido pelos irmãos a um mercador. jesus era filho de uma virgem, nunca se casou e tinha uma história enrolada com madalena. daí os caras vêm falar de família normal. família que, por sinal, quer dizer, em latim, agrupamento de fâmulos, ou servos. ah, gente, vão se catar.

sábado, 22 de dezembro de 2012

deus

tenho, talvez a despeito de mim mesma, algo como um sentimento religioso. acontece que, para mim, deus, além de habitar dentro, e não fora do eu, ainda contém boas doses de medo, raiva, orgulho, inveja e vaidade. sinto, e não penso, que só assim essa ideia de deus é capaz de nos proteger, que é o que mais queremos dele. pois somos pó e só algo que aceite, contenha e que também seja pó pode estar conosco.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

gúgou

freud descreveu os procedimentos do sonho como sendo de deslocamento e condensação. da mesma forma, o gúgou é também um sonho: desloca e condensa. estamos acordados numa hipnose vulcânica, um sonambulismo réptil. somos nós os mestres e o conteúdo desse sonho falaz e alegre, com cintos de couro, viagens para a malásia, verdi, cantatas, buracos de ozônio, tratores para a lavoura de uvas, cinquentenário de poetas, maldições dantescas e eu.

domingo, 16 de dezembro de 2012

corinthians

salve o corinthians, porque ele é o campeão dos campeões, eternamente dentro dos nossos corações. salve o corinthians, porque ele tem tradição de glórias mil e é o orgulho dos desportistas do brasil. seu passado é uma bandeira, seu presente é uma lição e ele figura entre os primeiros do nosso esporte bretão, nacionalidade cujo futebol, aliás, o corinthians transformou em esporte brasileiro e cujo futebol derrotou, tonando-se campeão mundial, hoje, dia dezesseis de dezembro de dois mil e doze, quando é também aniversário de vinte e quatro anos da minha amada filha leda, tornando, portanto, esse dia muito feliz. assim sendo, o corinthians grande, sempre altaneiro, é do brasil o time mais brasileiro.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

fila

atrás de mim, na fila do supermercado, uma japonesa de meia-idade espia para ver se a fila está grande. digo a ela que é rápido e, pela resposta, percebo que ela fala português com dificuldade. ela olha uma revista "nova" com a deborah secco pelada na capa e diz: é jovem, né, bonita, precisa ficar pelada porque depois de velha cai tudo, né? eu digo: ah, mas tem vantagens em envelhecer também! ela toma um susto, dá um pulinho, me olha com os olhos bem arregalados e diz, hesitante, com a boca entreaberta: - qual?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

falácia

um texto mais longo para variar e também para tentar mostrar a falácia das generalizações de alguém que se diz filósofo. o que fiz foi somente dizer as mesmas coisas que foram ditas em sua coluna de hoje,dez de dezembro de dois mil e doze, só que ao contrário.

A "má qualidade de vida" é uma das novas formas de liberalidade, sendo o machismo uma outra (o machismo é a nova libertação da sexualidade).

A infelicidade e o mal-estar são as chaves da vida contemporânea. Vale tudo para ser infeliz. Uma época dominada pela infelicidade é uma época legal.

Para mim, pessoa que confia em quem passa a vida querendo ser infeliz, isso tudo parece ótimo.

O principio não utilitarista afirma que o homem foge do prazer e busca a dor (o mal-estar). Logo, devemos fazer uma sociedade que vise produzir em larga escala a infelicidade, a dor e o mal-estar.

E chegamos ao nosso mundo de gente que sonha em ficar com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar, e sem saúde.

A vida e a sociedade dominadas pela busca do mal-estar parecem tornar o homem mais homem.

 "Individualidade, não identidade, instabilidade." Slogan que salvaria o mundo para o qual seguimos a passos largos com esse não utilitarismo social em que vivemos, com um descontrole cada vez maior dos gestos, do pensamento e dos hábitos.

Toda a cultura não utilitarista está cheia de amor à felicidade individual e de ódio à comunidade. O pesadelo totalitário passou.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

metáfora

já desconfio há algum tempo que, na verdade, todas as figuras de linguagem são variações da metáfora, compreendendo metáfora no sentido de co-ordenação simbólica, ou um símbolo cuja função é ocupar, com o mesmo valor, o lugar de outro objeto (ou semantema). senão, vejamos: hipérbole: metáfora do exagero; eufemismo: metáfora da atenuação; aliteração: metáfora sonora; antítese: metáfora da oposição; onomatopeia: metáfora de imitação sonora; pleonasmo: metáfora da repetição, e por aí vamos. mas e a metonímia, adversária aparentemente feroz da metáfora, sua rival filosófica, já que parte da lógica, enquanto a metáfora seria só símbolo? ela que não fique se achando, porque, se bobear, é um tipo de metáfora também, já que sua lógica, me perdoem os linguistas, não é tão lógica assim.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

flecha

um dos títulos que cogitei para meu último livro, "o que os cegos estão sonhando", era "a flecha tardia", expressão que encontrei num poema de paul celan, talvez o único poeta que conseguiu, mais do que falar sobre a guerra, dizê-la. desisti porque soava solene e artificial para o propósito do livro. mas sempre que revejo "a flecha tardia" sei que ainda vou usá-la: pegá-la aqui, no futuro daquele tempo, ela que foi atirada às cegas como quem joga uma garrafa no mar; ela que não foi atirada mas que apareceu aqui, agora; ela cujo caminho carrega o século em si. todo remetente encontra, enfim, um destinatário; mesmo que não seja aquele que imaginou, nem no lugar, nem no tempo.

sábado, 1 de dezembro de 2012

raiva

o cara faz assim: não tem coragem de terminar um relacionamento; diz para si mesmo e para várias outras pessoas (secretamente) que é por compaixão pela outra pessoa, não quer magoá-lo(a), há filhos, tantas histórias. em função dessa pretensa generosidade, fica com pena de si mesmo, pois se sacrifica pelo outro(a). isso, é claro, faz com que ele fique com muita raiva do outro(a), por praticamente obrigá-lo a sacrificar-se por ele(ela). isso piora ainda mais o relacionamento, que acaba explodindo, claro que por culpa do outro(a), que não sabe nem reconhecer o esforço dele em permanecer e fazer tudo para ficar junto. o relacionamento acaba e o cara fica para sempre morrendo de pena de si mesmo, pois tentou de tudo, de tudo mesmo, mas não deu e o outro(a) ainda o culpa injustamente.