terça-feira, 25 de novembro de 2014

enxaguador

sempre batemos longos papos enquanto ele está fazendo bochechos com o enxaguador bucal, que é um nome feio para aquilo-que-a-gente-usa-depois-de-escovar-os-dentes. ele começa a contar sobre o dia, fazendo sons e gestos e eu tento adivinhar. erro muito, ele reclama, fazendo "hum, t, t" e eu modifico as previsões, até eventualmente acertar ou, melhor, fazer um erro engraçado, o que quase o faz cuspir o enxaguador. ele gosta de ficar uns três minutos com o negócio na boca, o que valoriza muito a conversa. eu não, fico só uns sete segundos bochechando e, por isso, não conversamos tanto quanto poderíamos.

domingo, 23 de novembro de 2014

chão

indígena significa "de dentro da origem", "de dentro da produção", "de dentro do nascimento". somos todos indígenas, portanto. se o governo continuar violando as terras dos índios, roubará de cada um de nós nossa origem e ficaremos, mais do que já somos, perdidos. cada índio em sua terra é, para cada um de nós, um lugar. eles somos nós e tirar o que é deles e roubar-nos o chão.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

cuidado

o cedeefe que não passa cola. o vizinho que conta para o síndico a hora que você chegou. a pessoa que rouba a tua vaga, quando você já a tinha localizado e estava esperando por ela. o cara que não dá esmolas porque os mendigos bebem. todo aquele que salvaguarda os bons costumes. todo aquele que usa impunemente a palavra "salvaguardar". o chefe que, dando muitas broncas, acha que aprimora seus funcionários. aquele que pensa que "cada macaco no seu galho" e "cada um com seus problemas". cuidado! fique atento! ele pode estar te observando, bem próximo de você!

terça-feira, 11 de novembro de 2014

haddad

alguns querem ver em haddad o melhor prefeito do universo, o redentor de nossa decadência. outros teimam em encontrar malícia em tudo o que ele faz e o criticam, dizendo que ele está enganando a todos com um jeito sedutor e mascarado. que tal pensar que ele não é nem um nem outro? que é, finalmente, uma pessoa, um político e um administrador decente, com decisões humanistas, tentativas arriscadas mas corajosas, delicadas mas decisivas? talvez não tão agressivo quanto são paulo precisaria já, mas com perseverança suficiente para que as coisas assumam a devida proporção no tempo necessário? com erros, certo. mas como seria um prefeito de uma cidade como essa que não errasse? haddad é inesperadamente, indubitavelmente legal. isso é insuportável para quem quer que ele seja super heroi e para quem quer um fracalhão.  e como é bom ter um prefeito legal.

domingo, 9 de novembro de 2014

filhos

filhos são falhas, são ilhas, são folhas, firulas, fedelhos, falácias, são fronhas, férias, são fáceis, são frutas, são foda, frágeis, são frente, são fênix, são fatos, fugas, são fúteis, são ferro, são finos, fósforos, faca, são fadas, são festa, fichas, são flocos, são flechas, felinos. são feácios, fotografias, fugindo.

sábado, 8 de novembro de 2014

dom

gift é o mesmo que giveth, ou o particípio passado de give, ou seja "dado", ou seja "dom". a ideia de que o dom é algo dado pela natureza ou por deus, para mim, está equivocada. o dom é recebido de outro e pode ser dado para outros também. é um tipo de presente. a morte, segundo derrida, no livro "o dom da morte", também é um dom. cada vez que se morre, sacrifica-se a própria vida para doá-la aos que ficam e aos que ainda não chegaram. o dom é assim. exige doação, sacrifício e trabalho, além, é claro, do enorme prazer. mas não é divino.

sábado, 1 de novembro de 2014

academia

não gosto do tique acadêmico de falar do passado no futuro: "em mil oitocentos e oitenta e nove, machado de assis vai escrever tal livro"; "no final daquele ano, bergson  terá um filho". tenho a sensação de prepotência, como se, assim, o acadêmico se colocasse ainda antes da vida da pessoa e antevisse o que sucederá. como se a erudição lhe permitisse saber mais sobre outro do que o próprio saberia.