quarta-feira, 20 de abril de 2016

falcão selvaaaaaageeeeeem

matisse, bach, caetano veloso, uma montanha, um cornetto na padaria, uma cerveja, a cachorra e o pelo dela, ainda o rabo dela abanando amoroso, ler patti smith, comprar um terreno caríssimo na praia, que não vale nada, mas alegra, como ela fez, dar cinquenta reais para alguém e ficar mais leve, comprar um bilhete inútil de loteria, cantar a música antiga do lenine desafinado: "o falcão selvaaaaageeem, o falcão selvageeeeem". tudo isso não é fugir. ou melhor, é fugir sim. é distrair-se, e distrair-se é sair dos trilhos. e sair dos trilhos é voltar para o mundo. porque o mundo é uma bola e, como disse o desafinado heráclito, pantha rei. por isso, fujo. fujo para voltar ao lugar certo.

sábado, 16 de abril de 2016

etimologia

quase me arrastando de tristeza, vou ficar com a etimologia. ela descobre vínculos entre o que é aparentemente separado; reconhece o igual no diferente e o diferente no igual; estabelece pontes entre o passado e o presente; desdobra o presente em novidades; recarrega as palavras de concretude e proximidade com as coisas; inventa possibilidades e arma mentiras plausíveis, que às vezes se tornam verdades alvissareiras. ela não redime, porque o que redime também mata. mas ela alegra e se oferece, gratuita. é a puta que eu não consigo ser.

domingo, 3 de abril de 2016

manu

no dia em que soube que a querida manu morreu, estava caminhando na rua pinheiros, triste, quando uma mendiga me parou e disse algo de que eu só pude ouvir o final: "dois reais". tirei quatro da carteira e ia dando a ela, quando ela disse: "então me deixe lhe dar suas sementes. essa aqui é de fibra de coco e essa outra é de cupuaçu. elas estão secas, parece, mas se a senhora umedecer, elas vão brotar e germinar. essa aqui, de coco, lembra uma, como é que chama, uma orquídea. é uma vagina lilás". fiquei olhando. "a senhora é de onde?", ela perguntou. "de são paulo mesmo". "mas mora onde?'. "no butantã". ela me olhou, expressando algo que parecia pena. também tenho pena de mim, uma passante burra que não entende nada. mas, naquele momento, pensei que o mundo contém a manu e que a manu o contém. que somos um e somos muitos, sempre os mesmos e sempre outros. que o tempo voltou para trás e foi para a frente e a manu é a mulher, a mulher é a semente e que é só umedecer, porque vai germinar. uma vagina lilás, uma orquídea, nossa manu, eu e você,