quarta-feira, 22 de março de 2017

ventania

a elidia escreveu um texto lindo em que metaforiza um estupro a partir de imagens de uma ventania, confundindo as sensações da menina que sofre a violência com os efeitos de um furacão. a cristina, que trabalha com meninas adolescentes que já foram estupradas, leu o texto para todas elas, que se sentiram representadas pelo texto e que, ao final da leitura, se deram um abraço coletivo. só fizeram um reparo: as frases imitando as consequências da ventania que vinham separadas por espaços grandes, de duas a três linhas, deveriam ter sido escritas sem espaço nenhum, apertadas e seguidas. segundo elas, não há esse respiro durante o estupro.
queria comentar, chegar a alguma conclusão, mas não posso.

quinta-feira, 9 de março de 2017

lar

eu sou do lar. nasci nele, nele me criei e moro nele. ele não é meu, mas eu sou dele. pertenço a ele, sou mulher. laris era o espírito que protegia as casas e é daí também que vem a palavra lareira. eu também sou uma lareira. cuido do lar e adoro esse deus que o protege. eu sirvo o lar, sou mulher. às vezes saio. vou ao supermercado ver as flutuações dos preços. o lar me deixa ir, porque precisa conhecer essas flutuações. quando saio e vou ao supermercado volto para o lar flutuando, mas o lar me estabiliza e novamente me assento. sou mulher. digo ao lar: o preço do mamão flutuou dez por cento desde a semana passada. o lar fica bravo, quer saber se a culpa não é minha. não, eu digo. sou responsável pela verificação e não pela variação. o lar compreende. ele é bonzinho. eu sou dele. cuido dele e também faço tudo para que meu marido e meus filhos se sintam bem nele quando voltam lá de fora. eles chegam e pensam: que lar bom.